“Uma sociedade que tem medo das suas crianças e de seus jovens é uma sociedade doente”, deputada Margarida Salomão
No cenário político atual, no qual vivemos um processo de avanço conservador, a redução da maioridade penal está vista como aprovada em Brasília.
A PEC 171/93, proposta de emenda constitucional que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, está sendo analisada numa comissão especial no congresso nacional. Estudiosos e militantes no tema acham que não tem outra saída para frear este retrocesso se não a mobilização popular, pois há uma grande chance da redução da maioridade penal ser aprovada.
Segundo o Secretário Nacional de Juventude da CUT, Alfredo Santos Junior, caso a redução da maioridade penal for aprovada, a primeira grande mudança seria tirar os jovens das casas de ressocialização de menores e colocá-los nos presídios. “Seria como pegar o jovem que muitas vezes fez aviãozinho na favela, furto de carteira e colocar junto com grandes traficantes, grandes homicidas, todos os tipos de criminosos que existem nas penitenciárias brasileiras. Em curto prazo isso seria a grande diferença”, contesta ele. Alfredo não está muito otimista com os debates atuais da câmara. “Se depender da vontade dos deputados, a gente pode esperar o pior possível. O congresso só tem votado pautas conservadoras, e maioridade penal é uma entre tantas outras, estatuto da família, PL 4330, estatuto do desarmamento, a contrarreforma política, etc. Não tenho grande perspectivas no que tange a vontade do parlamentar, isso é muito ruim”, finaliza ele.
Dos 27 deputados (as) que analisam a PEC na comissão especial apenas 6 deputados (as) são explicitamente contra a redução, segundo a deputada Margarida Salomão (PT/MG), vice-presidente da comissão. E ainda há a população a favor da redução da maioridade penal, porque, segundo pesquisas de opinião, 87% das pessoas acham que a maioridade penal deve ser aos 16 anos. “Isso porque a mídia faz campanha todos os dias para esta barbárie”. Para a deputada, essa opinião é alimentada pela espetacularização da violência que é praticado pela mídia convencional, como a mais irresponsável. “A mídia representada por estes programas policiais sensacionalistas levam os piores sentimentos para as pessoas, aqueles que decorrem do medo, da insegurança e levam a uma reação paranoica. Porque esta proposta, com tudo que ela tem de fraude, de falcatrua do ponto de vista da política, é uma proposta muito preocupante”, afirma ela. A deputada fala também do ambiente enviesado que compromete o debate em torno desta proposta de emenda.“Se nós tivéssemos oportunidade de contemplar os vários objetivos, esta PEC já deveria ter sido eliminada, independentemente da sua admissibilidade, no ponto de vista constitucional. As pessoas, muitos parlamentares, defendem que é inconstitucional, mas eu nem vou por este lado. O fato é que não há elementos que justifiquem este tipo de atitude. Uma sociedade que tem medo das suas crianças e de seus jovens é uma sociedade doente. Chegou um grau tão agudo de iniquidade, de desigualdade que ela chega a doença, porque isso é uma paranoia, isso é uma loucura”, finaliza ela.
O congresso nacional é o mais conservador desde 1964. Levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) mostra um aumento, na nova composição do Congresso Nacional, do número de parlamentares ligados a segmentos mais conservadores – entre eles, militares, policiais, religiosos e ruralistas. O Diap mostra também o crescimento do número de parlamentares policiais ou próximos desse segmento, como apresentadores de programas de cunho policialesco. Ao todo, esse setor contará com 55 deputados, parte dos quais defendeu, na campanha, a revisão do Estatuto do Desarmamento, a redução da maioridade penal e a criação de leis mais rígidas para punir crimes. Para a secretária de combate ao racismo da CUT, Maria Julia Reis, “a gente viu que foi reduzida a bancado dos trabalhadores, mas outros segmentos ampliaram suas representações. O que está debatendo hoje no congresso não é o que interessa à população e sim o que interessa para os financiadores de campanha”, destaca ela.
Desde o processo de redemocratização do país, os governos no Brasil têm defendido os pressupostos dos direitos humanos. As forças conservadoras sempre se colocam contra e ameaçam o debate, mas nunca houve um parlamento com força que levasse adiante a retirada das conquistas de um povo. Para o membro do Conselho Nacional do Direito da Criança e do Adolescente (CONANDA), Douglas Belchior, hoje estes setores reacionários estão fortalecidos, empoderados, têm maioria e querem vencer. “É um debate ideológico, disputa de mentalidade e marcação de posição destes setores que querem não só retirar direitos dos trabalhadores conquistados nos últimos tempos, mas também querem tirar outras conquistas desta classe. Neste sentido, temos um quadro negativo”, afirma ele. “Só há uma esperança, a mobilização popular”, finaliza Douglas.
Por isso, hoje movimentos sociais e ativistas de todo o país se reunirão em Brasília para Marcha Nacional contra a Redução da Maioridade Penal, organizada pela Frente Nacional Contra a Redução da Maioridade Penal. O objetivo da atividade é sinalizar aos e às parlamentares que a PEC 171/93 e seus apensos ferem os direitos das crianças e adolescentes. Para a Frente, movimento social composto por centenas de ativistas de todo o Brasil, a PEC 171/93 é uma afronta aos marcos legais nacionais e internacionais das quais o país é signatário, ferindo, inclusive, o Princípio da Proibição do Retrocesso Social constante na Constituição Federal de 1988. “Antes que se faça qualquer alteração em uma cláusula pétrea na Constituição Federal é preciso que a própria Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente sejam efetivados em sua íntegra, assim como a Lei do SINASE, que é a lei que regulamenta a aplicação das medidas socioeducativas em todo o país. Se o país ainda não consegue dar creche para todas as crianças, se ainda não há uma educação de qualidade para os nossos adolescentes, se ainda há uma série de violações do Estado contra crianças e adolescentes quilombolas, indígenas, ciganas, com deficiência, como o Congresso pode retirar explicitamente direitos fundamentais de nossos adolescentes?”, afirma Leonardo Duarte, conselheiro tutelar em São Bernardo do Campo e um dos coordenadores da Frente Nacional.
Além da grande Marcha contra a Redução da Maioridade Penal, na mesma data serão realizadas diversas atividades de sensibilização e mobilização nas capitais e outras cidades do país.