Só os trabalhadores não podem (artigo de Avanilson A. Araújo)

Só os trabalhadores não podem

Uma norma (…) é mister observar, não porque torne possível ou assegure uma situação econômica, política ou social julgada conveniente, mas por ser um imperativo de justiça, de honestidade ou de alguma outra dimensão moral. (Brecht)

O prefeito Sr. Silvio Barros II, tem afirmado categoricamente que somente poderá voltar a negociar com os servidores municipais em greve, quando estes, que segundo ele precisam provar que são dignos de morar em Maringá (como se se tratassem de bandidos ou criminosos), respeitarem as decisões judiciais, concedidas em caráter liminar a favor da Prefeitura contra o movimento grevista.
Em primeiro lugar é importante destacar o papel que o Poder Judiciário, juntamente com outros aparelhos de Estado, cumpre numa sociedade dividida em classes: o de mascarar a desigualdade das partes em conflito (patrões-donos dos meios de produção e trabalhadores-produtores diretos desprovidos dos meios de produção), ou seja, através do discurso da igualdade formal de todos diante da lei, os direitos fundamentais podem ser violados, uma vez que a prerrogativa do Estado é garantir a ordem, ou seja, que o conflito seja mantido num patamar que não deságüe para a ruptura deste modelo societal (que permite a desigualdade social, política e econômica) e isto se dá, inclusive ou principalmente, através do uso da força (Exército, polícia).
Partindo desta premissa tornam-se evidentes as contradições deste modo de organizar a sociedade, principalmente, quando se constatam os elementos ideológicos que permeiam o discurso das classes dominantes, neste contexto representadas pelo Poder Executivo e Legislativo. Assim, ouvimos reiteradas vezes que o movimento grevista desrespeita as ordens judiciais e, portanto, não estaria autorizado a participar de qualquer tipo de negociação.
Apenas para ficarmos no exemplo do respeito às ordens judiciais é bom que fique claro quem não as respeita e porque o faz.
O irmão do atual prefeito, Sr. Ricardo Barros, Deputado Federal pelo partido de Severino Cavalcante (PP), por desrespeitar uma lei (que previa o reajustamento dos salários dos servidores), deixou para a cidade uma dívida (que deverá ser paga um dia com o imposto de cada um de nós) que hoje supera os 200 milhões de reais (a tão famosa “Trimestralidade”).
O Prefeito Silvio II (PP) descumprindo a lei contratou irregularmente (sem licitação) a empresa Transresíduos para obras no “Lixão” de Maringá, destinando para tanto recursos na ordem de 2,5 milhões de reais. Esta contratação foi considerada ilegal (ainda que em caráter liminar) pelo Poder Judiciário que determinou a suspensão do contrato e a reparação dos danos.
O Presidente da Câmara, John Alves (PMDB), afirmou em todos os meios de comunicação que não irá cumprir a decisão judicial que determinou a abertura de CPI para apuração de compra superfaturada de 20 laptops (computadores portáteis) e 2 tripés de filmadora, adquiridos pela bagatela de R$ 236 mil reais.
Somente nestes três exemplos estamos falando em prejuízos na ordem de mais de 203 milhões de reais, todos eles gerados pelo descumprimento da lei e de ordens judiciais, as mesmas argumentações feitas contra o movimento dos trabalhadores. Agora, a pergunta: em qual destes casos a força policial será utilizada para fazer valer as decisões judiciais?
Pois bem, o que os trabalhadores fazem ao questionar a legalidade, dentro da ordem burguesa, nada mais é do que exercitar um direito de colocar em xeque a legitimidade de determinado ato (judicial ou administrativo), ou seja, ainda que se pudessem enquadrar as ações dos grevistas dentro da perspectiva da desobediência civil, o seu objetivo seria de demonstrar que o emprego coercitivo do aparelho de Estado não se justifica em atos desta natureza, Segundo Rawls:
Todavia, se a desobediência civil justificada aparentemente ameaçar a concórdia cívica, a responsabilidade não recai sobre os que protestam, mas sim sobre aqueles cujo abuso de autoridade e poder justifica essa oposição. Pois empregar o aparato coercitivo do Estado para manter instituições evidentemente injustas é por si só uma forma de força ilegítima que os homens, no devido tempo, têm direito a rechaçar. (Rawls, 2000)
O que os trabalhadores fazem numa greve é demonstrar as próprias contradições desta sociedade dividida em classes e mascarada sob o manto da igualdade jurídica, afinal, o Prefeito pode, o Presidente da Câmara pode, o Deputado Federal pode, só os trabalhadores não podem se organizar e reivindicar de direitos.
Avanilson A. Araújo,
Assessor Jurídico do SISMMAR e Mestrando em Ciências Sociais – UEL, avanilson@hotmail.com

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