Audiência pública pede arquivamento do projeto das câmeras em salas de aula

Profissionais da educação compareceram em peso à audiência pública que discutiu o projeto de lei que prevê a instalação de câmeras de videomonitoramento – inclusive dentro das salas de aula – de CMEIs e escolas da rede municipal de ensino. A audiência foi realizada na Câmara Municipal, nesta segunda-feira (25), com plenário lotado.

Apesar de a audiência não ter caráter deliberativo, os presentes deixaram claro o posicionamento contrário ao projeto de lei. Em bom tom, por diversas vezes, quase a totalidade do público clamou em coro: “retira, retira, retira”, pedindo aos vereadores presentes que o polêmico projeto, que tramita desde o primeiro semestre de 2017, seja arquivado.

Público presente na audiência pública fez coro pelo arquivamento do projeto de lei das câmeras em salas de aula: “retira, retira, retira…” – foto: Valter Baptistoni

A voz da assembleia é endossada por uma pesquisa realizada nas unidades de ensino, a qual revelou que mais de 80% dos profissionais da Educação são contrários às câmeras em salas de aula. A consulta foi realizada pela Secretaria de Educação (Seduc) a pedido do Conselho Municipal de Educação.

Nas escolas municipais, dos 1.446 servidores ouvidos, 1.211 são contra as câmeras, o que equivale a 84% do total. Os favoráveis são 230 (16%). Nos CMEIs 1.938 servidores opinaram, sendo que 1.617 (83%) são contra as câmeras. Apenas 321 (17%) foram favoráveis.

Mesa dos debates
Dos 15 vereadores, apenas cinco marcaram presença na importante discussão: Carlos Mariucci (PT), Mário Verri (PT), Belino Bravin (PP), Sidnei Telles (PSD) e Alex Chaves (PHS) – fato que rendeu críticas de populares. Também compuseram a mesa representantes do SISMMAR, Seduc, Conselho Municipal de Educação, Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA) e Conselho Tutelar. A audiência teve cobertura da imprensa e transmissão ao vivo pela TV Câmara, no YouTube.

Representando a secretária Valkíria Trindade (Seduc), a professora Maria Inez Benites disse que o objetivo das câmeras é apenas de garantir a todos segurança no local de trabalho, sendo vaiada em seu discurso. “Decidir juntos é um ato democrático. Que tenhamos sabedoria para decidir o melhor para todos”, acrescentou a professora.

A convite do vereador Do Carmo (PSL), um dos proponentes do projeto de lei, o professor Argemiro Karling, que foi docente na Universidade Estadual de Maringá (UEM) por 29 anos, alegou que o projeto não vai prejudicar a autonomia do professor e que sem as câmeras “não a possibilidade de comprovar nada”. Ele também comentou que dois desembargadores no Rio Grande do Sul já se posicionaram a favor das câmeras.

O discurso de Karling foi desconstruído pela professora doutora em História Ivana Veraldo, docente da UEM. Ivana disse ter se surpreendido com a defesa das câmeras partir justamente da Seduc. “Câmera em sala de aula é um ataque à segurança pública”, disse. “Muito me espanta que a defesa das câmeras tenha partido da Secretaria de Educação”, acrescentou.

Segundo Ivana, a Seduc deveria priorizar o discurso da educação, que é seu papel, e não da segurança pública. Segundo ela, não há nenhum estudo que comprove que as câmeras aumentam a segurança após serem instaladas, fato que tem levado muitos países que já haviam decidido pelos equipamentos a voltar atrás na decisão.

A professora da UEM relembrou problemas que surgiriam em decorrência da aprovação desse projeto, entre eles o patrulhamento ideológico, o que normalmente é desejado pelas mesmas pessoas que defendem o projeto da escola sem partido. Em artigo publicado no Jornal do SISMMAR (leia aqui), Ivana aprofunda esse tema.

Por fim, Ivana disse que a liberdade de cátedra, garantida pela Constituição, precisa ser respeitada, bem como a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação. Ela rebateu o argumento de Argemiro, informando aos presentes que o Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul venceu ação impetrada contra a decisão a favor das câmeras. Os argumentos renderam à professora aplausos em pé do público presente.

Em sua fala, a representante do Conselho Municipal de Educação Marta Croce apresentou dados da pesquisa (citada anteriormente), reforçou o entendimento de que o projeto fere a liberdade de cátedra, a LDB e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e disse que o uso de câmeras deveria se limitar aos locais de convivência coletiva das escolas, como pátio e corredores. “Sala de aula é lugar de privacidade”, comentou, também sendo aplaudida em pé.

Pelo SISMMAR, o advogado Silvio Januário disse que o projeto começou errado porque visou de início a monitorar o professor. Ele disse que o projeto de lei precisa ser modificado ou mesmo ser retirado para que se iniciem as discussões do zero. Para o advogado, não é com violação da legislação vigente (Constituição, LDB e ECA) que se avançará na segurança.

Público
Na audiência, o microfone passou pela mão de várias pessoas, entre elas vários profissionais da Educação, que quase de forma unânime pediram que os recursos que o projeto de lei dos vereadores (defendido pelo Executivo) pretende gastar com as câmeras seja revertido para investimentos em condições de trabalho, na contração de mais servidores, em melhores salários e no aumento do número de vagas (especialmente em CMEIs). “Se quer vigiar, que vigie com câmeras o gabinete do prefeito e os gabinetes dos vereadores”, disse um trabalhador.

A proposta de uma das servidoras, de que o projeto seja arquivado, inflamou ainda mais os presentes, que passaram a repetidamente pedir a retirada do projeto, deixando em situação nitidamente desconfortável os membros da mesa (inclusive gente da Seduc) que usaram a palavra para argumentos pró-videomonitoramento. Dirigente do SISMMAR, o servidor Roselson questionou os vereadores presentes sobre a real intenção da manutenção do trâmite de um projeto que, claramente, fere a constituição e outras legislações vigentes.

Argumentos finais
Em nome do Conselho Municipal de Educação, Marta defendeu a instalação de câmeras no entorno das escolas, como meio de inibir a violência e ilícitos. Segundo ela, é preciso levar em contra o momento de aumento de violência no país. Também na mesa dos trabalhos, a representante do Conselho Tutelar também disse ser contra as câmeras em salas de aula, porém, defendendo a manutenção do projeto com emenda que destine as câmeras apenas para o lado externo.

Ivana lembrou o compromisso de campanha do prefeito Ulisses Maia (PDT) de valorizar os professores, o que se dá, por exemplo, com melhores salários, investimentos e com a redução do número de alunos por sala – e não gastando valiosos recursos públicos com a contração de uma empresa para instalar as câmeras. Ela, assim como a maioria dos presentes, pediu o arquivamento do projeto. Essa também foi a pedida do CMDCA.

Maria Inez tornou a repetir que o projeto é da Câmara e que a Seduc se dispôs a ouvir as pessoas, como o fez na pesquisa em que os servidores se mostraram contra as câmeras. Sua fala foi seguida do coro: “retira, retira, retira…”.

Para o SISMMAR, que já deixou claro sua posição na última edição do jornal (capa abaixo), as câmeras em salas de aula representam um retrocesso, algo que já teria sido aprovado pelos vereadores não fosse a grande mobilização do sindicato e de entidades em defesa da audiência pública. Para a presidenta do SISMMAR, Iraídes Baptistoni, os vereadores não podem virar as costas para os anseios da população demonstrados na audiência.

Vereadores
Em nome dos vereadores, Sidnei Telles explicou que para arquivar o projeto são necessários oito votos, comprometendo-se em apresentar uma emenda para que as câmeras dentro das salas de aula sejam excluídas do texto da lei. Ainda assim, ele ouviu o coro: “retira, retira, retira…”, mais de uma vez.

Bravin e Chaves não se manifestaram ao fim da audiência. Mariucci e Mário Verri se posicionaram contra as câmeras em salas de aula, sendo que ambos foram os únicos parlamentares a não apoiarem a tramitação do polêmico projeto. “Deveríamos estar aqui (audiência) discutindo melhoria salarial dos professores”, disse Mário.

Um dos presentes cobrou votação noturna caso o projeto entre em pauta, de modo que os trabalhadores possam acompanhar a sessão e manifestar publicamente seu descontentamento com o projeto. Atualmente, as sessões ordinárias ocorrem toda terça e quinta, às 9h30 da manhã, o que inviabiliza que a classe trabalhadores tenha a oportunidade de estar presente no plenário para acompanhar as votações.

Ainda não há previsão para o retorno do projeto à pauta do Legislativo.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

três × 3 =