Escola ensina, família educa? (vídeo e artigo)
Artigo publicado na edição nº 52 do Jornal do Sismmar, em fevereiro de 2019
Por Ivana Veraldo*
As relações entre escola e família no campo da educação sempre foram tensas, principalmente após a década de 1980, quando a escola pública passou a ser um projeto de todas as classes sociais. A Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996 conclamaram a educação como um direito social, a ser provido e conduzido pelo Estado em parceria com a família.
A participação da família na educação vem sendo ressignificada no contexto das reformas políticas que apontam na direção da construção do Estado Mínimo. Essa instituição passou a ter centralidade nas ações do Estado que, gradativamente, vem transferindo a elas responsabilidades que antes faziam parte das políticas públicas de proteção social.
Essa centralidade e os novos papéis atribuídos à família partem de um modelo “tradicional” que discrimina os novos arranjos e desconsidera a desigualdade econômica e social.
A escola pública deve ser acessível a todas as classes sociais, inclusive às famílias vulneráveis econômica e culturalmente, mesmo àquelas que não têm disponibilidade e capital simbólico para participar da escola. É incorreto afirmar que é possível educar sem ensinar, ou ensinar sem educar. Tanto a escola como a família ensinam e educam.A educação promovida no âmbito familiar é espontânea, informal e segue as referências do grupo familiar ou da comunidade da qual se faz parte.
A educação ofertada na escola é sistematizada e objetiva transmitir conhecimentos e promover a inclusão social por meio da formação integral do cidadão crítico e reflexivo (BRASIL, PCN, 1997). Enquanto na esfera familiar “pode até” haver espaço para homofobia, xenofobia, racismo, sexismo, preconceito religioso etc., na escola esses preconceitos devem ser transformados em valores socialmente desejáveis, como o respeito à diversidade e à igualdade.
Também é um equívoco achar que ao resumir seu trabalho à transmissão de conhecimentos científicos os professores não interfeririam na formação política, sexual ou religiosa dos alunos. Conhecimento é produto social, sempre comprometido ou com a preservação ou com a transformação da sociedade. Não existe neutralidade na transmissão de conteúdo. E impossível ensinar qualquer conhecimento científico nas escolas descolando-os do contexto no qual a desigualdade econômica, social e cultural prevalecem.
Os que insistem em defender que à escola cabe apenas ensinar o fazem com o intuito de destituir seu papel político de socialização e transformação. Desconsideram que as famílias têm condições econômicas e culturais diferenciadas e que, se a escola pública abrir mão do seu papel transformador, sobrará à família apenas a reprodução da sua condição de vulnerabilidade.
Aqueles que defendem que escola apenas deve ensinar são os mesmos conservadores que desejam colocar os interesses privados acima dos coletivos; são os defensores das privatizações e da desresponsabilização do Estado com a educação; são os mesmos que defendem a Escola Sem Partido.
De fato, para que alcance resultados significativos, tanto a educação escolar (formal) como a familiar (informal) devem colaborar com o enfrentamento das desigualdades sociais e da exclusão. Apesar de a família exercer papel complementar, cabe à escola pública a condução desse processo.
* Ivana Veraldo é professora do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá. Graduada em Pedagogia pela UEM, é mestre em Educação pela UEM e doutora em História pela Unesp-SP.